Publicado no JORNAL DE RESENHAS – Folha de S.Paulo – Pág. 06 – 09 de março de 2002
Giovanna Bartucci
Gramáticas do Erotismo – A Feminilidade e Suas Formas de Subjetivação em Psicanálise
Joel Birman, Civilização Brasileira
Com a finalidade de sistematizar os conceitos de sexualidade feminina e feminilidade em psicanálise, por meio de uma leitura epistemológica da retórica freudiana, acrescida de interpretações de ordem histórica e genealógica, o autor termina por reorganizar os termos envolvidos. Assim, se a leitura da sexualidade feminina fundada na figura do falo estabelece uma relação de paradoxo e ambiguidade com o conceito de feminilidade, o mesmo indicaria a existência de outro registro psíquico no qual o falo seria uma ausência, um faltante. É nessa medida que Birman entende que a ordenação fálica da sexualidade humana seria uma defesa contra o território originário da feminilidade. Não é à toa que o autor tem como intuito abrir um horizonte crítico na psicanálise contemporânea, inscrevendo-a no mundo da pós-modernidade: tal construção fálica, reguladora das sexualidades masculina e feminina, seria, afinal, a busca desesperada pela condição humana da perfeição e completude, contra a finitude e a imperfeição – inscritas agora como originário, e representadas pela ideia de feminilidade.
O Primado da Afetividade
Carlos Alberto Plastino, Relume Dumará
Entendendo que, ao afirmar a existência da realidade psíquica e seu caráter genuinamente inconsciente, Freud subverteu as concepções centrais elaboradas pelo paradigma da modernidade sobre o homem, o conhecimento e o ser, o autor concebe que do saber produzido pela psicanálise emergem novas perspectivas antropológica, ontológica e epistemológica. A obra freudiana é compreendida como expressão de um processo de ultrapassagem dos limites impostos pelos pressupostos do paradigma moderno às suas descobertas fundadoras, impondo consequentemente uma mudança de pressupostos. Ciente de que o “método” não é universal, mas efeito das delimitações impostas pelo “objeto”, o que Carlos Alberto Plastino faz é restituir a validade das formas de apreensão do real excluídas pelo paradigma moderno do elenco das formas de conhecimento válidas. Nesse sentido, é importante assinalar que, se no registro da feminilidade, o falo não existe para o sujeito como referente, a produção de conhecimento se dá, como concebe Plastino, como uma “nova forma de saber” por meio da qual a apreensão do real, não mais submetida à lógica “fálico versus castrado”, esteja prenhe de sentido.
O Feminino e o Sagrado
Julia Kristeva e Catherine Clément, tradução de Rachel Gutiérrez, Rocco
Determinadas a refletir sobre o feminino e o sagrado, Julia Kristeva e Catherine Clément se correspondem assiduamente de novembro de 1996 a setembro de 1997. Se, para Kristeva, num percurso íntimo e profissional, chega o momento em que se tem vontade de ir ao essencial – e o essencial aqui surge como aquilo que se partilha com outras mulheres –, para Clément “o acordo tácito dependia apenas de uma linha melódica para existir”. O resultado desse diálogo é um passeio pelo pensamento de Freud, Lacan, Winnicott, Hegel, Lévi-Strauss, pelo taoísmo, confucionismo, judaísmo, cristianismo, fundamentalismo, islamismo, sem que a vida mesma esteja ausente dessa reflexão. Ainda que distanciadas do conceito de feminilidade, como um pêndulo que oscila entre o sagrado e o feminino, Kristeva e Clément não se furtam à tentativa de pensar o impensável, analisar o não-analisável, nomear o inominável.
A Vida Sexual de Catherine M.
Catherine Millet, tradução de Claudia Fares, Ediouro
Se o ensaio de Catherine Millet contém descrições de atos sexuais que “violam” a moral convencional, ele não tem porém a intenção de excitar o leitor, colocando-o na posição de “voyeur” de uma experiência erótica. Quase um relato clínico, o ensaio – honesto, íntegro e explicitamente elaborativo – nos remete a questões fundamentais. Qual é o lugar do corpo na contemporaneidade? Em que medida o “uso” do corpo, assim como da escrita, pode ser constitutivo do sujeito? Situando-se no limiar entre o espaço imaginário e aquele que hábita, tendo associado o “amor físico” a uma conquista do espaço, Millet encontra-se distante da dicotomia “fálico versus castrado”. Seu ensaio parece constituir uma saída do que denomina “autismo benigno” e que a faz “depender inteiramente de um olhar carregado de desejo e das carícias” que acabarão por cobrí-la: sua exposição, distanciada, é mesmo objeto de uma operação especular, de relato.