Uma das lições deixadas por Freud indica que a psicanálise deveria estar atenta à criação artística e aos acontecimentos sociopolíticos. Foi justamente esse cuidado que fez do autor de “O mal-estar na civilização” um dos maiores intérpretes da cultura no século XX. Para além do drama psíquico dos indivíduos – e a ele relacionados –, existe o mundo e seus antagonismos, e existe ainda a história da civilização e da invenção do humano.
É essa mesma lição que a psicanalista e escritora Giovanna Bartucci coloca em prática neste livro, que reúne críticas, ensaios e entrevistas sobre temas culturais e sociais – da literatura de Bataille aos reality shows, do cinema de David Lynch ao pensamento de Richard Sennett. São todos eles textos urgentes e necessários, preocupados tanto em discutir a relação da psicanálise com as artes como em refletir sobre os modos atuais de subjetivação.
Onde tudo acontece – Cultura e psicanálise no século XXI é uma preciosa antologia, de escrita tão límpida quanto iluminadora, que nos ajuda a entender um pouco mais nosso tempo: seus conflitos, sua potência e seu mistério.
Alcino Leite Neto, jornalista e editor
Nesse belo apanhado de ensaios, Giovanna Bartucci volta a nos conduzir, com sua delicadeza, por sendas variadas para a reafirmação do outro como condição ética e estética do surgimento do sujeito.
Para ela, a estética freudiana consiste em anunciar modos de revelação daquilo que continua vivo e continua a determinar a nossa humanidade, apesar de parecer morto e perdido para sempre. Em busca disso (do Isso, o Id freudiano) que, na Cultura, dá notícias do sujeito, a autora percorre com sua escrita fluida e elegante filmes, livros e exposições de arte, além de estabelecer interessantes diálogos em entrevistas com intelectuais de formação variada: Richard Sennett, Joel Birman, Santiago Kovadloff e Silviano Santiago. Nessa diversidade, a autora põe em ato e pensamento o fato de que “a multiplicidade fragmentada é um dado empírico na pós-modernidade” (como formula seu último entrevistado). Bartucci pode, então, apropriar-se de tal multiplicidade de modo transformador – já que compreender o mundo em que vivemos requer, segundo ela, que se estruture a realidade “de modo pessoal e estilizado”.
Revisitando e tomando posição na discussão a respeito de novas formas de subjetivação na contemporaneidade, Giovanna Bartucci defende, por fim, a existência de um “lugar psíquico de constituição de subjetividade” que se daria de modo dinâmico e sempre a se refazer na relação com elementos culturalmente dados. Diante disso, qual seria o papel da psicanálise hoje? A resposta da autora é ousada e bonita: tanto na clínica quanto na Cultura, a psicanálise se apresentaria justamente como reativação deste lugar de constituição do sujeito – que é, ao mesmo tempo, espaço de inscrição da alteridade.
Tania Rivera,
psicanalista e professora na Universidade Federal Fluminense (UFF)