Publicado no Jornal de Resenhas – Folha de S.Paulo – Pág. 19
1 de novembro de 2010
Giovanna Bartucci
Entre o eu e Outro – Espaços fronteiriços
Marta Rezende Cardoso e Claudia Amorim Garcia, Juruá, 164 págs.
Resultado de grande afinidade entre os interesses de pesquisa das autoras no âmbito de suas atividades acadêmica e clínica, Entre o Eu e o Outro: Espaços Fronteiriços, conjunto de cinco ensaios de autoria de Marta Rezende Cardoso e cinco de Claudia Amorim Garcia, se contitui em uma rica e abrangente discussão acerca da problemática dos limites psíquicos. Tema fundamental para psicanalistas cuja clínica caracteriza-se pelo trabalho com analisandos difíceis, funcionamento limite ou, então, os denominados novos analisandos, o volume está voltado para as dimensões métodológica e técnica deste fazer clínico, detendo-se também tanto nos aspectos patológicos, quanto estruturantes do processo de constituição das fronteiras psíquicas.
Alicerçadas em solo conceitual freudiano, as autoras dialogam com autores contemporâneos cuja produção teórica é de fundamental importância ao considerarmos a clínica dos limites: Jacques André, André Green, Jean Laplanche, René Roussillon e Donald Winnicott. Entretanto, se face às condições sócio-históricas contemporâneas os paradigmas com os quais trabalhamos são colocados em xeque, as contradições inerentes à teoria freudiana – ou a qualquer teoria –, oriundas do confronto com a história, tendem a produzir um sentimento de inoperância que Entre o Eu e o Outro: Espaços Fronteiriços vem refutar. De fato, será ao atestar a potência da psicanálise contemporânea que vemos resgatada a radicalidade da experiência psicanalítica.
As diversas faces do cuidar – novos ensaios de psicanálise contemporânea
Luís Cláudio Figueiredo, Escuta, 232 págs.
Nove ensaios, escritos entre os anos de 2004 e 2009, compõem As Diversas Faces do Cuidar, de Luís Cláudio Figueiredo, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Universidade de São Paulo. Incluindo-se dentre os analistas que se propõem a pensar a psicanálise na atualidade, Figueiredo busca redimensioná-la a partir do que denomina “atravessamento dos paradigmas” – que se daria “junto (à) reabilitação dos ‘analistas marginais’, os que nunca se acomodaram nas escolas institucionalizadas mesmo quando elas eram dominantes”. Tal “atravessamento” propõe que antigas separações e oposições, vigentes teoricamente, sejam desfeitas e transpostas nas novas perspectivas. Assim, de acordo com o autor, é “preciso pensar em termos de pulsão, e relações de objeto; fantasia, e trauma; intrapsíquico, e intersubjetivo”.
É nesta medida que, em sua avaliação, a clínica psicanalítica a partir de Melanie Klein articularia “as três clínicas freudianas – a clínica da representação, a das pulsões (o que inclui a ênfase no irrepresentável) e a dos mecanismos de defesa”. Síntese esta que seria, então, “capaz de enfrentar os impasses e limitações das (mesmas), quando vistas em separado”. Entretanto, será ao redimesionar o método e as funções do analista em suas diferentes modalidades que Figueiredo é conduzido rumo a uma “teoria geral do cuidar de base psicanalítica de interesse de todos”, tornando As Diversas Faces do Cuidar uma leitura contemporânea da psicanálise bastante singular.
Presença sensível – cuidado e criação na clínica psicanalítica
Daniel Kupermann, Civilização Brasileira, 250 págs.
Presença Sensível: Cuidado e Criação na Clínica Psicanalítica reúne nove ensaios de Daniel Kuperman, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e psicanalista membro fundador da Formação Freudiana, escritos entre 1995 a 2008. Tratando de temas que dizem respeito à formação do psicanalista, à clínica e metapsicologia psicanalíticas, na primeira, segunda e terceira parte do livro, o que, de fato, interessa ao autor diz respeito à disponibilidade sensível do analista – condição sine qua non para a promoção de sentido na “clínica do sensível” na psicanálise. Assim, a leitura que Kuperman faz de Freud e de autores como D. W. Winnicott e Sándor Ferenczi – a quem dedica sua “Trilogia ferencziana”, um mergulho profundo na obra do enfant terrible da psicanálise – está voltada para o próprio psicanalista, sua formação, sua análise e estilo que dela pode advir.
“Psicanálise, criação e cultura”, a quarta parte, será, então, dedicada à elucidação do conceito de sublimação e à demonstração da tese de que, na obra freudiana, “o humor é o ato paradigmático para a compreensão do gesto criador”. Em última instância, o que alinhava os ensaios de Presença Sensível deriva, como afirma o autor, do “questionamento do estatuto do psicanalizar (…) e da maneira pela qual o psicanalista pode contribuir para minorar o sofrimento daqueles que (com ele enveredam) na experiência de produção de sentido compartilhado, facilitando a emergência de uma vida mais potente e criativa”.