Pequeno guia para escolha do psicoterapeuta

divã

Junguiano, reichiano ou lacaniano; antes de escolher o profissional, conheça um pouco sobre as várias linhas

Publicado no caderno Equilíbrio, da Folha de São Paulo – Págs. 8-9
23 de maio de 2002

Por Ciça Guedes – Free-lance para Folha

Quando os fatos da vida tornam-se pesados demais para serem enfrentados com as armas disponíveis, procurar a ajuda de um psicoterapeuta tem sido uma opção considerada cada vez com mais frequência. Desde que Freud começou a revelar ao mundo os mistérios do inconsciente da mente humana, no final do século 19, diferentes correntes se desenvolveram, propondo formas de tratar o sofrimento psíquico, como a escola de Lacan, um discípulo de Freud, e a bioenergética, nascida a partir das ideias do austríaco Reich. Porém hoje abundam pessoas que se autointitulam psicoterapeutas em busca de seguidores de seus próprios métodos. Nunca houve tantos charlatões atuando quanto agora, declaram em coro alguns dos psicoterapeutas e psicanalistas ouvidos pela Folha. Portanto a busca por um profissional para ajudar a colocar em “ordem” sentimentos e emoções exige precaução.

“Não temos no Brasil um organismo oficial que regulamente as práticas. Qualquer médico ou psicólogo, sem uma formação específica para o exercício das psicoterapias, pode se intitular psicoterapeuta ou psicanalista, e há inúmeras ‘escolas de psicanálise’ oferecendo ‘formação psicanalítica’, até via internet, sem levar em conta sequer escolaridade”, diz Márcio de Freitas Giovannetti, psiquiatra, psicanalista e presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

E o fenômeno não se restringe ao mundo “psi”. “Existe um mercado que, entre outros produtos, oferece ‘terapias’ de tudo quanto é jeito. Não só na medicina mental, mas na medicina clínica também. É típico do mundo atual, no qual as pessoas são impelidas a exibir performances física e mental perfeitas, ostentar felicidade e saúde. As pessoas estão mais livres de interdições, mas se tornaram mais dependentes de algum tipo de assistência, não só de medicamentos como de práticas. Esse é o pano de fundo”, diz Benilton Bezerra Júnior, psiquiatra, psicanalista e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Na busca pelo tratamento psicoterápico, é importante escolher um profissional que tenha passado por um processo de formação para exercer sua atividade em uma instituição séria, reconhecida nos meios científicos. Entre os profissionais, o paciente tem à disposição psicólogos, psicanalistas e psiquiatras com formação em psicoterapia. Todos são psicoterapeutas. Como explica a psicanalista Giovanna Bartucci, “a psicoterapia, no sentido lato, é qualquer método de tratamento das desordens psíquicas ou corporais que utilize meios psicológicos. Nesse sentido, a psicanálise é uma forma de psicoterapia, mas, no sentido mais restrito, a psicanálise é muitas vezes contraposta às diversas formas de psicoterapia”.

E o que dizer das linhas, correntes e técnicas psicoterapêuticas? Elas se baseiam na palavra. É por meio da fala que se expressam as emoções, os sentimentos, os afetos recalcados, os desejos, a energia básica da libido. “As pessoas costumam estimular umas às outras a falar sobre seus problemas, o que é bom, alivia o sofrimento. A fala ajuda a elaborar os problemas, a criar novas visões sobre as situações da vida. Tudo é conversa, palavra, o que varia é a compreensão da dinâmica do inconsciente”, explica a psicóloga Margareth de Paiva Ferreira.

O objetivo do tratamento psicanalítico pode ser resumido como o trabalho de trazer o inconsciente à consciência para tratar as questões que fazem o paciente sofrer. “A psicanálise é uma teoria sobre a mente, sobre seu funcionamento, e tem uma teoria a respeito da técnica de como acessar a mente. Baseia-se em Freud e em seus sucessores e tem como ideia básica a existência de uma dinâmica inconsciente que influi sobre as emoções e sobre os comportamentos”, explica Anna Verônica Mautner, psicanalista e colunista da Folha. A psicóloga Maria Carolina Santos, que trabalha com gestalt-terapia, acredita que o formato do atendimento é determinante para quem está em busca do alívio da ansiedade e da angústia, de resolver seus problemas.

“Há situações em que algumas terapias funcionam melhor ou mais rapidamente, como nas fobias e na síndrome do pânico. Nesses casos, a escola comportamental funciona bem, tira o indivíduo da crise. Saindo dela, é importante fazer um acompanhamento, e aí pode-se escolher uma linha de tratamento com a qual o paciente se identifique melhor”, diz a psicóloga. Já o tratamento reichiano, por exemplo, exige que o paciente se disponha a trabalhar também o corpo. “Reich percebeu que deveria explorar as manifestações físicas porque percebia as expressões corporais dos pacientes no divã”, diz a psicóloga Odila Weigand, do Instituto de Análise Bioenergética de São Paulo.

A escolha do profissional

Pedir indicação ao médico de confiança ou a amigos é sempre um bom caminho. Pode-se ainda recorrer aos serviços de psicologia aplicada de faculdades conceituadas ou valer-se dos serviços de atenção à saúde mental oferecidos pela rede pública. Vale a pena também procurar referências e orientação nas sociedades que congregam os profissionais das diferentes correntes ou escolas.

Profissionais que fazem psicoterapia

Fonte: Giovanna Bartucci

Psicanalista

Após a conclusão do curso superior (de psicologia ou medicina, em geral, mas a graduação em outras áreas, como sociologia, já é aceita), o profissional faz formação em psicanálise (curso que dura, no mínimo, quatro anos), passando pela chamada análise pessoal, na qual ele se submete a um processo de análise com outro psicanalista, sempre mais experiente, e também pela etapa da supervisão, em que, durante certo período, ele mantém um contato estreito e regular com um profissional para a troca de experiências. O psicanalista trabalha fundamentalmente com as linhas freudiana, lacaniana e kleiniana.

Psicólogo

Faz os cinco anos do curso de psicologia e recebe o registro no Conselho Regional de Psicologia, o que o autoriza a clinicar. Porém, para tanto, espera-se que o profissional invista em uma formação mais aprofundada após a conclusão do curso superior. O próprio exercício da profissão o leva a escolher uma linha de trabalho (psicologia analítica, psicoterapia existencial, entre outras). Ele também pode trabalhar com psicoterapia de base psicanalítica, mas não se autodenominar psicanalista. Pode trabalhar em diferentes áreas, como empresas, escolas, hospitais e clínicas.

Psiquiatra

É um médico que tem formação em psiquiatria, mas que, para atuar como psicoterapeuta, deve ter formação em alguma linha psicoterapêutica (psicanálise, psicologia analítica, psicoterapia existencial…). Ele pode prescrever medicação, atribuição restrita aos médicos.