O viver como uma ordem

instrucoes

Publicado no caderno Sabático – O Estado de S. Paulo – p. S7
18 de junho de 2011

Giovanna Bartucci

Um narrador manhoso, amante das estruturas circulares e das simetrias, um paladino da esperança, atrai o leitor e, de maneira resoluta mas delicada, o leva aos confins da existência, em Instruções para Salvar o Mundo (Nova Fronteira, 2011), de Rosa Montero, autora do elogiado A Louca da Casa (Ediouro, 2004).

Com efeito, é mesmo da experiência dos limites e de seus desdobramentos que trata esta “fábula para adultos” impregnada de suspense, cujos personagens – párias da sociedade atual –, encontram-se interconectados por meio de ligações desconhecidas.

Deste modo, acompanhamos Matias, o taxista que perde a mulher amada para um câncer fulminate, em seu desespero e dor transformados em vingança, a atravessar o luto; Daniel, médico veterano do pronto-socorro do Hospital San Felipe que, tendo abdicado de seu casamento e carreira passivamente, encontra em um sequestro padecido a chace de mudar a si próprio; Cérebro, a médica alcoolista e pesquisadora septuagenária notável que, mesmo mantendo-se à margem da sociedade, excluída do convívio familiar e social, impõe respeito tanto por seu conhecimento científico quanto pela distinção de sua miséria; e, por fim, Fatma, a jovem natural de Serra Leoa, imigrante fugida das guerras tribais de seu país, que presenciou o esquartejamento do irmão de cinco anos, em sua vida de prostituição no novo continente.

O fato é que se a escritora espanhola entende que “todos carregamos no íntimo uma sombra de atrocidade e um anseio de beleza, e algumas pessoas caminham pela beira do despenhadeiro sem saber de que lado acabarão caindo”, sua narrativa vem testemunhar que mesmo nas margens, no ápice da desesperança, as “existências se empenham obstinadamente em continuar vivendo (também)”.

 

Talvez porque, seja na sua Espanha do século XXI ou em qualquer outro tempo, como dirá Cérebro a Matias durante uma de suas conversas, “as atitudes pesam e deixam marcas por si mesmas, e cada indivíduo influi na totalidade como se nos relacionássemos através de um sistema de vasos comunicantes”.

Com certeza. Razão pela qual Rosa Montero parece desejar que sua literatura pertença a um destes momentos transcendentes na vida de um ser humano, a um destes breves, mas essencias trajetos pessoais, por meio dos quais se é possível experimentar – apesar de tudo – um intenso e incompreensível desejo de viver.