Estudo analisa a obra da escritora america que se suicidou em 1963
Publicado no caderno Cultura – O Estado de São Paulo – Pág. D10
07 de dezembro de 2003
Giovanna Bartucci
Nascida em Boston, EUA, em 1932, e tendo se suicidado em fevereiro de 1963, ao asfixiar-se com gás na cozinha de sua casa, em Londres, Inglaterra, durante um dos períodos mais férteis de sua carreira literária, Sylvia Plath foi reconhecida pela crítica, em meados dos anos 1970, como uma das mais importantes poetisas americanas do século 20.
De fato, a pergunta que se coloca é exatamente a de “como explicar a morte trágica daqueles artistas e escritores (sobretudo aqueles que, confessadamente, acreditavam na função organizadora, senão terapeutica de seu trabalho) que se suicidaram durante um período de fecunda produtividade artística e literária?” – pergunta essa que guia todo o trabalho de Ana Cecília Carvalho em A poética do suicídio em Sylvia Plath, livro da autora recentemente lançado pela Editora UFMG (312 págs.).
Tendo retornado há pouco dos EUA, onde lecionou na University of Denver, no Colorado, a convite do Reitor do University College, Ana Cecília Carvalho é professora na graduação e na pós-graduação, no departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, psicanalista, autora de três livros de contos – dois deles premiados –, e de cinco livros infanto-juvenis, dois dos quais foram traduzidos para o espanhol. E, com efeito, se os seus cursos na University of Denver trataram exatamente da temática da escrita confessional e limites da crítica literária, como também da escritura de Sylvia Plath, o que se desdobra diante de nossos olhos, ao nos debruçarmos sobre A poética do suicídio, é o desenvolvimento de uma pesquisa que tem como objetivo inverter vetores.
Diferenciando-se de uma vertente da crítica literária (e também psicanalítica) que privilegia uma leitura preocupada em captar as motivações do autor, dando lugar a uma interpretação psicopatologizante do texto, a uma psicobiografia, ou mesmo a uma leitura que privilegie o exame da construção textual a partir da primazia do significante, o que Ana Cecília faz é retraçar o caminho intertecido e espiralado da escrita de Sylvia Plath para compreender os aspectos funcionais e disfuncionais da escrita.
É verdade, se o suicídio de um escritor coloca em questão a função da escrita, a autora nos chama a atenção para o fato de que existem limites no trabalho de transformação, operado entre os vários registros de captação de uma experiência. Assim é que Ana Cecília Carvalho detém-se no que ela denomina “toxidez da escrita”, o ponto mesmo em que a escrita “deixa de ser remédio e passa a ser veneno”. Destacando o fato de que o projeto literário de Sylvia Plath buscava “uma forma poética que desse ao mesmo tempo o contorno adequado e a versão literária de seu mundo emocional”, Ana Cecília sustenta que trata-se exatamente da capacidade de transformar “o mais subjetivo dos sofrimentos em uma textualidade que, além do enunciado, revelará a dimensão poética do sujeito dessa enunciação”. Em outras palavras, o projeto literário de Sylvia Plath é a constituição mesma de sua singularidade.
Se Sylvia é situada pela crítica literária entre os escritores confessionais americanos mais importantes do século 20, tais como Robert Lowell, Anne Sexton e outros, Ana Cecília entende que a categoria confessional ou mesmo autobiográfica não define completamente – e até mesmo restringe – a dimensão literária de Sylvia Plath. Entretanto, se foi o seu suicído que recolocou de modo trágico o problema da finalidade da escrita, finalidade compreendida por Ana Cecília em suas acepções de função e limite, a autora considera que é possível “testemunhar em Sylvia Plath uma espécie de crise da representação, na qual o que se perfila (…) é a sombria e inevitável possibilidade de que a morte real da autora seja, num mesmo golpe, inscrição, representação e limite”.
E, de fato, na medida em que a criação literária resulta do processo ambivalente do escritor se valer de uma relação próxima e distante com a realidade, face a um projeto literário que torna fértil o entrecruzamento entre vida e obra e, sobretudo, entre textos (diários, cartas, poesia e textos de ficção) que se alimentam reciprocamente – como nos chama a atenção Ana Cecília Carvalho –, a autora considera que, “além do desdobramento multifacetado de um eu que escreveu sua própria condição ficcional, vislumbra-se um embate incessante e insolúvel entre o impulso para dizer e o silêncio que reside no interior da linguagem”. Com efeito, em um de seus poemas escrito em 1948, Sylvia Plath escreveria: “Você me pergunta: por que passo minha vida escrevendo?/[…]/ Escrevo só porque/ Há uma voz dentro de mim/ Que não se cala nunca”.