O amor e o tempo

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Em sua primeira obra de ficção, escritora e jornalista portuguesa recorre a temas como morte e paixão para tratar de experiências vividas por adolescentes

Publicado na revista MENTE & CEREBRO – Ano XIV – nº 163 – Págs. 12-13
Agosto de 2006

Giovanna Bartucci

Inscrevendo-se no hiato que se instaura entre a paixão e o amor, o exercício do amor deixa suas marcas nos corpos, nas letras, nos livros. Não à toa, “a morte é a única testemunha da paixão. Tem ciúmes dos corpos e queima-os devagar”. Devagar o suficiente para que se inscrevam os odores, as texturas, as ausências e, finalmente, as memórias que se tornarão lembranças de um tempo que ainda será.

E, com efeito, será com o vagar necessário àqueles que se lançam à vida que a jornalista e escritora portuguesa Inês Pedrosa romanceia o caminho percorrido em A instrução dos amantes. A autora conta a história de “um bando de jovens desfeito por uma paixão” desde sua condição de principiantes até a de conhecedores – “os adolescentes são os que sabem das paixões como arroubos de morte que ampliam a vida”.

Lançada no Brasil pela editora Planeta, Pedrosa é conhecida no país por Nas tuas mãos, ganhador do Prêmio Máxima de Literatura, em 1997, e também por Fazes-me falta, de 2002. Se, contudo, em seus dois últimos romances, o que dá substância à vida se evidencia por meio das relações que se estabelecem entre o amor, a morte e o tempo, em A instrução dos amantes “já não havia maneira de travar o tempo”. “Como se a meio das explicações [seus personagens se dessem] conta da inutilidade das palavras repetidas, da impossibilidade de passar assim um qualquer testemunho”.

De fato, ainda que o cenário que principia A instrução dos amantes – a estreia da autora na ficção – seja o de um funeral, dando início assim a explicitação da teia de relações que se estabeleceu entre os jovens, no grupo que se formou no bairro, o tempo será o elemento terceiro que se intrometerá entre os filhos, pais, amigas, amigos, namorados, amantes – permitindo, então, a inscrição da experiência: “Era como se a memória e o sonho pudessem cruzar-se para vencer a fúnebre inércia das cronologias”.

Assim, sem ser possível nem mesmo circunscrever a infância, ou mesmo a adolescência – “sofreu a infância com a terrível maturidade de um adolescente e decifrou a adolescência com a impiedosa infantilidade de um adulto” –, a maturidade será fruto da própria experimentação.

Experimentação esta que se dá, então, por meio da vivência da ausência amorosa – “amaram-na tanto que se esqueceram de reparar nela” –, ou por meio da vivência de cumplicidade – “roubar gasolina era a missa de sexta-feira à noite. Tinha um lado prático – salvá-los do inferno da imobilidade – e outro de metafísico. Os dois eram unidos pelos laços da cumplicidade”. Ou, ainda, por meio da experiência de que “todas as paixões são uma, e os objetos amados ficção”, caso consideremos que os jovens apaixonavam-se “pelas suas próprias sombras, pelos seus sonhos de si”.

Contudo, na medida em que é atribuída ao objeto amoroso a tarefa de restaurar uma plenitude desejada, que o outro amado é idealizado, o amor se contitui, entre a satisfação e a insatisfação erótica – “não há memória mais terrível do que a da pele; a cabeça pensa que esquece, o coração sente que passou, e a pele arde, invulnerável ao tempo”.

Não é à toa, então, que fazer referência ao amor e à sua existência seja o mesmo que se referir à condição amorosa de cada sujeito, e não de cada objeto de amor. A instalação da possibilidade de amar de cada sujeito implica no reconhecimento de sua incompletude, baseada no que o outro teria desejado na sua diferença.

Incompletude essa que, em A instrução dos amantes, é dada por meio do reconhecimento de que “ou se é amante, ou não se é. Desde sempre, para todo o sempre”. Se, então, “há em cada [um] uma aventura singular que articula o tempo que a vida escolheu para ele e o lugar que ele escolheu para si na vida”, o que se adquire, afinal, por meio da experiência amorosa no tempo, é “a descoberta do que podia haver para lá do fim do futuro”.