O amor d’Ele e d’Ela

asmaos

Publicado na revista BRAVO! – Ano 7 – n° 74 – Pág. 106
Novembro de 2003

Giovanna Bartucci

Aquele que já morreu de amor sabe que o amor deixa um oco, um dentro-prenhe, um vácuo-ocupado por coisas do outro que só se vão quando acerca do outro se vão também as palavras. “Como precisasse dizer dEla tudo o que ainda consigo”, avisa o narrador de As mãos (Editora 7Letras, 52 págs.), novela do poeta e ficcionista Manoel Ricardo de Lima. Não é à toa, então, que por cinco capítulos (4 + 1) acompanhamos o narrador em sua tentativa de, capítulo à capítulo, contar a história Deles, circunscrever o espaço – “estivivido sendo tempo” –, este oco-ocupado dEla, como que para exorcizá-la de seu corpo, de sua casa.

Impossível não lembrar de A doença da morte, um dos mais belos livros de Marguerite Duras, também uma história de amor que se desenrola entre ele e ela. A diferença consistindo em que, em Duras, ele se vê impossibilitado de amar, tomado que está pela doença da morte. Em As mãos, amam tanto o narrador quanto Ela. Mas o que fazer agora, quando a separação se impõe? Se “perto não se fica de quem não se conhecem as mãos”, a beleza do livro de Manoel de Lima reside na construção deliberada, por meio da linguagem, deste espaço de transição onde “tudo é dentro de casa”, para – ainda que “Lá fora não existe mais” – “os dias sem estas paredes”. A escrita, em sua relação com o tato e o olhar, constituí-se como este lugar de transporte: olhar as paredes, ser olhado e escutado por elas, olhar o “Lá fora”, “uma cidade em que se anda de um lado a outro”, para afinal dar-se conta de que a rua já não lhe serve mais – e escrever. No entanto, uma vez que o olhar é um dos suportes do desejo – “ver” é tocar, e o ato de tocar é guiado pelo olho que torna erógeno o mundo –, o que fazer quando “eram os (olhos) dEla que me faziam construído”?, pergunta-se o narrador. Escrever – para afinal “mover-se sem”.