Falando com as paredes

ZAH_Estou_falando_AF_SIMULACAO

Produzido em 2011 – inédito
Giovanna Bartucci

Tendo jamais cessado de teorizar o “não todo”, em torno de 1970, Jacques Lacan (1901-1981) dedica-se a reinterrogar as narrativas sobre as quais havia moldado sua leitura da obra freudiana: a castração, o dejeto, o sexo, o gozo, a letra, a morte, a mística, a trindade. Movido então por um desejo de chegar ao núcleo fundamental do pensamento, as elaborações que se tornariam centrais em sua teoria nos anos subsequentes e que também o levariam a relançar uma clínica da psicose têm no matema e no nó borromeano sua formalização.

Estou falando com as paredes. Conversas na Capela Sainte-Anne é a reunião em livro de três das sete exposições realizadas pelo psicanalista, no hospital Sainte-Anne, durante o ano de 1971-1972. Estimulado, é possível, pela circulação entre seus alunos dos escritos de Georges Bataille sobre o “não saber”, Lacan elege “O saber  do  psicanalista”  como  tema.  Será, então, nas “conversas” de 4 de novembro e 2 de dezembro de 1971 que os termos “alíngua” – de maneira simplificada, “um saber que se sabe na ignorância de si próprio” – e matema – da mesma forma, “a escrita do que não se diz mas pode se transmitir, supondo sempre um resto que lhe escapa” – são tecidos.

Por outro lado, a primeira menção ao nó borromeano – modelo de estrutura topológica que fundamenta a relação do simbólico, do imaginário e do real, operando um deslocamento radical do simbólico para o real – dá-se em 9 de fevereiro de 1972, no seu Seminário intitulado “…ou pior” – obra falada que continuava a enunciar na Faculdade de Direito do Panthéon, e no qual o psicanalista atribuía a cada vez maior importância ao impossível, ao real. Não à toa afirmará: “a verdade em questão na psicanálise é aquilo que (…) pela função da fala aproxima-se de um real”; “essa relação de fronteira entre o simbólico e o real, nós vivemos nela”.

Assim, passados trinta anos da morte daquele que reintelectualizou o pensamento freudiano num debate filosófico sobre o ser, a morte, o sujeito tal como o havia pensado a filosofia alemã, este pequeno volume é bem mais que uma viagem na história da psicanálise na França e do lacanismo. Estou falando com as paredes é o testemunho de que a psicanálise não é imune ao presente, como querem muitos. Partícipes na legitimação do que lhes acontece por meio de seu exercício, poderão atestá-lo aqueles que, de fato, “sabem” da força de subversão presente na experiência psicanalítica.