Escrita acesa do desejo

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Estudo discute o papel do pensamento psicanalítico na passagem para a cultura

Publicado no caderno Sabático – O Estado de S. Paulo – Pág. S7
8 de dezembro de 2012

Giovanna Bartucci

Da Clínica do Desejo a Sua Escrita – Incidências do Pensamento Psicanalítico na Escrita de Alguns Autores do Brasil e do Caribe (1918-1990), de Wilson Alves-Bezerra, parte da noção de traveling theory, de Edward Said – a qual sustenta que “o lugar da idéia é o deslocar-se” –, para falar sobre a presença (ou ausência) do pensamento psicanalítico na passagem da clínica à cultura e, consequentemente, sobre a incidência do desejo na cultura – no caso, a partir do estudo da obra de quatro escritores nucleares. Fruto da tese de doutoramento do autor, defendida no ano de 2010 na Uerj, o livro discute a escrita do desejo, interrogado a partir de lugares e tempos distintos, com finalidades variadas.

Assim, no contexto do Modernismo, Wilson chama atenção para a presença do “desejo do bom burguês”, posto em cena sob a forma do romance familiar, em Mario de Andrade (1843-1945); para o desejo da mulher, na escrita de Nelson Rodrigues (1912-1980); para o desejo do negro, em Frantz Fanon (1925-1961), psiquiatra e autor martinicano em cuja obra se conjugam clínica e reflexão teórica, marcadas pelo momento histórico; e para o desejo do homossexual, em Severo Sarduy, no âmbito das dificuldades do pensamento analítico em Cuba e da saída do escritor para o autoexílio francês.

Com efeito, circunscrito à fase inicial do pensamento freudiano no Brasil e à impossibilidade deste e da reflexão lacaniana ingressarem no Caribe, Wilson define seu trabalho como “uma história da entrada da psicanálise na América Latina que considera o desejo”. E conclui: “É preciso uma certa posição em relação ao desejo para poder fazer dele uma escrita que não seja puro jogo verbal, que convoque novos sentidos, que mobilize o sujeito em seu escrever”.

O que torna o trabalho de fato singular, contudo, é a capacidade de Wilson, professor do Departamento de Letras da Ufscar, de, por meio de um mergulho profundo em suas fontes (quase sempre primárias), ressurgir com relações improváveis e imprevistas, possíveis apenas porque “aceita a nacionalidade como conceito poroso e movente, deslocando-se para (muito) além dos purismo geográficos”.