Hisham Matar e o tema da ausência paterna
Publicado no caderno Sabático – O Estado de S. Paulo – p. S6
14 de abril de 2012
Giovanna Bartucci
Recebido com entusiasmo pela crítica inglesa, Anatomia de Um Desaparecimento (Record, 2011), segundo livro de Hisham Matar – escritor nascido em Nova York, de ascendência líbia, e que vive em Londres –, narra o resgate da figura paterna pelo adolescente Nuri por meio da apropriação de seu destino. O distanciamento e a ausência do pai, e a relação extremamente próxima com a mãe, como um par interdependente, dão o mote do romance, como aliás ocorria em No País dos Homens (Companhia das Letras), título de estreia do autor, lançado no Brasil em 2007.
Em Anatomia…, nem mesmo a morte da mãe é capaz de aliar pai e filho; será a paixão do protagonista por sua jovem madrasta, Mona, que lhe permitirá uma aproximação da ausente figura paterna.
A relação com a esposa do pai, seja antes ou depois que este é sequestrado e desaparece, não só reativa a memória infantil de Nuri como reedita, com todas as nuanças – sejam visuais, táteis, auditivas ou olfativas –, o relacionamento com a mãe. Enquanto a experiência de amor intenso, vivida pelo adolescente por meio da relação triangular, permite o resgate materno, a renúncia à paixão por Mona condiciona sua aproximação do pai.
De inspiração autobiográfica – o escritor e sua família saíram da Líbia nos anos 1970, fugindo da ditadura de Muammar Kadafi (1942-2011), e seu pai, declarado dissidente, foi sequestrado por agentes egípcios, nos anos 1990, e levado para a prisão Abu Salem, em Trípoli, desaparecendo em seguida, misteriosamente –, Anatomia de Um Desaparecimento é, na verdade, complementar a No País dos Homens. Ao jovem Nuri resta a busca incessante pelo pai; para Suleiman, de 9 anos – narrador de No País… e testemunha das atrocidades da política líbia –, não há outra alternativa a não ser a violenta entrada na adolescência e no mundo (“dos homens”). Com efeito, é Suleiman quem se coloca a pergunta que Nuri termina por responder: “Alguém pode se tornar um homem sem se tornar seu próprio pai?”
Ao tecer os fios dos destinos de seus protagonistas, valendo-se de uma narrativa pungente e delicada, o que Hisham Matar faz – tal como Sherazade que “conquistou a liberdade inventando contos” –, é engendrar liberdade para ambos e, por que não, também para si.