Entre o juízo e a loucura

Carbono Pautado

Publicado no caderno Sabático – O Estado de S.Paulo
03 de novembro de 2012 – p. S5

Giovanna Bartucci

Lançado originalmente na web, em 2003, e publicado em versão impressa em 2012, Carbono Pautado: Memórias de um Auxiliar de Escritório (Record) marcou a estreia do carioca Rodrigo de Souza Leão (1965-2009) como romancista.

Diagnosticado com esquizofrenia muito jovem, Rodrigo vem merecendo atenção do público e da crítica principalmente após sua morte, vítima de um ataque cardíaco, numa clínica psiquiátrica, em julho de 2009.

Poeta, músico e pintor, ele teve suas telas, poemas visuais e sonoros mostrados em 2011 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro na exposição Tudo Vai Ficar da Cor que Você Quiser, organizada por Ramon Mello, curador de sua obra. Seu segundo romance, Todos os Cachorros São Azuis (7Letras, 2008) – um dos 50 finalistas do Prêmio Portugal Telecom –, foi adaptado para o teatro naquele mesmo ano, e os póstumos Me Roubaram uns Dias Contados e O Esquizoide: Coração na Boca saíram pela Record em 2010 e 2011.

Testemunhos da cultura carioca das décadas de 1980 e 1990, seus romances – cujos direitos de adaptação foram adquiridos para o cinema – não são apenas marcados pela indistinção entre realidade e ficção, uma das características das linguagens artísticas contemporâneas. O que Rodrigo faz, efetivamente, é tecer narrativas em que se inscrevem simultaneamente biografia e autobiografia – o escritor é autor, narrador, personagem – por meio da instituição de um “jogo de espelhos” no qual o eu é um outro e o outro, um eu, ora observando a si mesmo, ora a seu duplo.

Carbono Pautado já antecipava tais características. Em primeira pessoa, o protagonista, um jovem de classe média, estudante de jornalismo – tal qual o autor à época –, relata seu cotidiano como auxiliar de escritório numa seguradora estatal e a vida em um hospício. Narrativa circular, atravessada por personagens inusitados, revela uma rotina que, surpreendentemente, jamais conduz o leitor ao mesmo. Converge no humor, na ironia e na caricatura grotesca (de um personagem, de uma situação, do país) que, levada ao limite, desvela a presença do embate – que é a sua obra – entre dentro e fora, loucura e sanidade.