Publicado no caderno Sabático – O Estado de S. Paulo – Pág. S6
31 de julho de 2010
Giovanna Bartucci
Uma nota de rodapé da obra de Sigmund Freud (1856-1939) seria indicação de fontes, correção ou acréscimo ao seu trabalho? Determinaria passado ou futuro? Em face dessas questões, o interesse de Darian Leader, membro fundador do Centre for Freudian Analysis and Research, em Londres, repousa sobre o aspecto da história da psicanálise que se detém no contexto dos debates e seleção de questões em pauta. Como explicita o autor de Pé de página para Freud. Uma investigação profunda das raízes da psicanálise (BestSeller, 2010), o que retém sua atenção deixa de ser o “desenvolvimento interno” da obra, ou o papel que o pai da psicanálise desempenhou na cultura, e se volta para situar questões de pesquisa que o preocupavam por meio da observação das respostas concebidas e modificadas pela discussão com colegas.
Ao se perguntar, contudo, se “a teoria psicanalítica não é, em si mesma, uma sucessão de notas de rodapé”, Leader produz novas perguntas: “Os parâmetros conceituais dentro dos quais Freud trabalhou seriam diferentes hoje? E como isso afeta o modo pelo qual avaliamos suas teorias? O trabalho de Melanie Klein (1882-1960) ou Jacques Lacan (1901-1981) são acréscimo, correção ou confirmação de suas teorias?”.
No que diz respeito à relação (teórica) entre a psicanalista britânica e o psicanalista francês, originada na década de 1930, o autor faz um trabalho de pesquisa notável ao resgatar, por meio do exame dos conceitos de “posição depressiva” e “mundo interno”, seus pontos de interseção, ao ler Klein à luz de Lacan e Lacan à luz de Klein. Os temas da sexuação, ou seja, a constituição de uma posição sexual desejante, masculina ou feminina, e da sexualidade feminina são tratados de forma minuciosa de maneira que os três psicanalistas dialoguem, mais uma vez.
Entretanto, se a referência ao pé de página nos remete a explicações ou aditamentos, a ideia de geração torna inequívoca a presença de fases que assinalariam, por exemplo, mudança no comportamento humano ou em uma técnica decisiva. Essa condição, contudo, implica o sujeito criar um dispositivo para si que lhe permita incorporar seus antepassados, estabelecendo um diálogo criador com a própria obra. Finalmente, um herdeiro é alguém que reinscreve a própria herança de forma inovadora – característica essa que Leader não logrou destacar nas produções kleiniana ou lacaniana.
No que diz respeito ao autor, no entanto, os ensaios “A formação científica de Freud” e “Freud, música e elaboração”, reflexão ímpar sobre como conceitos musicais podem funcionar na psicanálise e nos ajudar a formular problemas clínicos, certamente, constituirão parte de seu legado.