Publicado no caderno Ilustrada – Folha de S.Paulo – Pág. 4
3 de abril de 2014
Giovanna Bartucci
Com o seu 11º documentário, De Gravata e Unha Vermelha (2014), em exibição no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, é possível dizer que a obra de Miriam Chnaiderman se ocupa da experiência do limite e de como os sujeitos se reinventam a partir disso.
A diretora ainda acredita que a dimensão da câmera, que se entrepõe entre entrevistado e entrevistador, como em Sobreviventes (2008) – em que pessoas compartilham suas experiências de abandono, depressão, aprisionamento e tortura – é o que introduz “uma noção de cidadania que dá o chão para se expor”.
Mas é em De Gravata e Unha Vermelha, documentário em que “a distinção entre o feminino e o masculino é desconstruída numa intensa vertigem de gêneros”, que todas essas experiências parecem se encontrar.
O filme é acima de tudo corajoso, uma vez que não busca explicar nada. A heterossexualidade, o homoerotismo e a transexualidade são tomados como expressão de um contemporâneo libertador, em que as diferentes sexualidades deixam de ser geridas por uma norma. De modo que os corpos passam a ser construídos de maneira ativa a partir de como o sujeito representa a si próprio.
Ney Matogrosso é enfático quanto a isso: “Eu gosto de ser homem, mas isso não pode me restringir”. O cartunista Laerte, por outro lado, conta que dedica mais tempo a maquiagem, vestimenta e depilação, e que aí encontra uma área de criatividade antes desconhecida para ele.
Contudo, o que torna o filme imperdível é o fato de ele explicitar o lugar que a sexualidade e o corpo ocupam na contemporaneidade, ou seja, o lugar da transgressão.
A transgressão entendida, aqui, como possibilidade de dar vida a alguém que não tem um corpo que lhe corresponda, a algo que ainda lá não está e, desse modo, construir para si uma narrativa que lhe seja própria.