Publicado na revista D.O. Leitura – Ano 21 – nº 06 – Págs. 10-11
06 de junho de 2003
Giovanna Bartucci
Nascido em Buenos Aires, em 1942, Santiago Kovadloff, ensaista e poeta premiado, com obras traduzidas para diversas línguas, é também contista e tradutor para o espanhol de autores como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Drummond, Mario de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Professor convidado e conferencista em universidades na América Latina, Estados Unidos, Europa e Israel, em 1998, incorporou-se à Academia Argentina de Letras.
O fato é que, caso a escolha de O Silêncio Primordial (José Olympio, 2003), dentre tantos outros títulos que compõem a sua obra, tenha sido fortuita, não poderia ter sido melhor. Com efeito, é no gênero ensaio que Kovadloff encontra a condição de “buscar, na criação literária, um consolo e um estímulo que, de forma abstrata, minhas convicções não têm possibilidade de brindar-me”. Entendendo o dogma como uma “doença”, acredita que o gênero lhe permite dramatizar ao máximo a experiência da interpretação, uma vez que o ensaio é um gênero de elaboração hipotética incessante, no qual não se é possível findar a interpretação numa tese que não possa ser revista. Some-se a isto o fato de que, para o autor, o escritor é o homem que risca. Riscar, corrigir, isto seria escrever. Assim, não é à toa que interpretação e ensaismo são, para Kovadloff, experiências correlativas.
Na verdade, a obra do autor repousa, de forma geral, na idéia de que uma das mensagens essenciais da literatura consistiria em dizer que nada caberia definitivamente na palavra e que, consequentemente, seria imprescindível voltar a dizer. E, de fato, é exatamente isto o que faz Kovadloff em O Silêncio Primordial.
Entendendo que discorrer sobre o silêncio é discorrer sobre algo que não tem objeto, este “discorrer” tem, no entanto, sujeito, na medida em que o contato com algo que não pode ser apreendido de maneira definitiva impõe a quem o examine uma figura sobressalente: a do próprio autor. Com efeito, se há “uma imagem sem forma na qual o homem pode contemplar-se sem ver-se é a do silêncio primordial” – uma vez que esse protagonista é o destinatário desse esforço interpretativo. E se não há objeto, e o silêncio jamais poderá sê-lo (um objeto), tampouco haverá um único enfoque possível sobre o tema.
Assim é que Kovadloff dedica-se a examinar o tema do silêncio a partir da poesia, da psicanálise, da música, da matemática, da pintura, da perspectiva monástica e também da perspectiva amorosa. Seu propósito, o de verificar essa pluralidade de manisfestações do silêncio primordial, retratando as que mais lhe interessaram, é o de propor uma aproximação compartilhada da noção. E ao chamar a atenção para a especificidade do tratamento dispensado ao tema por cada um dos diferentes campos, procedeu de modo a que se possa reconhecer que todos convergem para um sentido equivalente: o silêncio primordial prova, “a partir de quaisquer das vertentes adotadas para sua a abordagem, que a subjetividade encontra (no silêncio primordial) seu solo radical”.
Consciente de que o homem não é essencialmente um possuidor da realidade, mas uma criatura sujeita a leis tão determinantes da sua idiossincrasia, como também uma criatura capaz de transformar a realidade por meio de sua própria iniciativa criadora, Kovadloff sabe que a “experiência fronteiriça da existência” é sempre uma pergunta. Pode uma elaboração acerca do silêncio ser “primordial”, ou silenciosa? É dessa pergunta que trata este livro.