A psicanálise sob a influência da realidade histórica

Após tratar de cinema e literatura, em Fragilidade absoluta Giovanna Bartucci fala do individual sob o olhar da teoria freudiana

Publicado no caderno Cultura – O Estado de S. Paulo – Pág. D2
17 de setembro de 2006

Por Ubiratan Brasil – Jornalista

Depois de trabalhar com o escritor Jorge Luis Borges e a cinematografia de Pedro Almodóvar e Abbas Kiarostami, a psicanalista e ensaísta Giovanna Bartucci propõe um novo jogo ao leitor: tratar de questões individuais sob o olhar da teoria freudiana. É o que ela propõe no livro Fragilidade absoluta, recentemente lançado pela editora Planeta.

Se, nos livros anteriores, trabalhou com a literatura e o cinema buscando trazer para o primeiro plano as transformações que se impuseram à psicanálise no contemporâneo, agora, com Fragilidade absoluta, Giovanna dá continuidade ao trabalho e busca, fundamentalmente, situar a psicanálise em face às características da atualidade, a partir da história, da sociologia e também da cultura. É o que explica na seguinte entrevista.

São muitos os autores que se mostram descrentes do futuro com o desaparecimento do ideal revolucionário, ou das utopias.

 

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que Fragilidade não tem um estilo dissertativo. Em um dos ensaios do livro, trabalho o que considero ser a “eficácia clínica do processo de leitura”. Isto significa dizer que credito à experiência de leitura, e claro que também a de escrita, uma experiência transformadora, prospectiva. Nesse sentido, busquei redigir os ensaios de forma a favorecer o leitor na realização de seu processo de leitura. Por outro lado, isto significa dizer também que considero que, na contemporaneidade, forma e conteúdo tendem a não compor um todo orgânico na medida em que tal sobreposição exerce uma função constitutiva.

De fato, considere que se a ilusão de plenitude é dada a partir da manutenção do telespectador no lugar de voyeur, o ato voyeurista significaria

 

Um exemplo? Os reality shows. De fato, considere que se a ilusão de plenitude é dada a partir da manutenção do telespectador no lugar de voyeur, o ato voyeurista significaria o reconhecimento do “brother-exibicionista”. Assim, na medida em que, na contemporaneidade, a audiência deseja, sim, ser olhada – reconhecida no seu anonimato  –, as primeiras versões dos reality shows também tiveram como função o investimento de libido em uma audiência anônima, ávida por reconhecimento.

Teria outro exemplo?

 

Sim, o programa Saia Justa, em sua primeira versão, com Rita Lee, Mônica Waldvogel, Marisa Orth e Fernanda Young. Sem nenhum outro programa a partir do qual tenha derivado, foi inovador na medida em que, ao falarem sobre si, as “saias” sofriam ao vivo – e é esta a palavra, “sofrer”, um processo reflexivo que desembocava em uma nova e diferente percepção de si mesmas. Vale a pena rever o testemunho de Marisa Orth no programa de aniversário da centésima exibição. Você constatará também que as versões posteriores não conseguiram repetir o êxito da versão inicial. Por quê? Porque o exercício constitutivo já havia sido realizado, e uma experiência de reinvenção poética jamais poderá ser repetida enquanto tal uma vez que já se está em outro patamar. Assim, penso que seria difícil considerar Fragilidade um livro nostálgico, fundamentalmente porque credito às subjetividades contemporâneas a capacidade de constituição de subjetividade – ou de (re)invenção poética –, seja por meio de suas obras, seja por meio da experiência psicanalítica.