A psicanálise na criação artística

Trabalho comenta o papel do estudo terapêutico na produção das artes em geral

Publicado no caderno Cultura – O Estado de S. Paulo – Pág. D2
13 de outubro de 2002

Por Ubiratan Brasil – Jornalista

 

Primeiro foi a literatura, depois o cinema. Agora chegou a vez dos trabalhos visuais em geral – com Psicanálise, arte e estéticas de subjetivação (Imago, 408 páginas), completa-se uma coleção que busca detalhar o relacionamento da psicanálise com a produção cultural. O livro será lançado amanhã, a partir das 19 horas, na Livraria do Espaço Unibanco de Cinema, na Rua Augusta, 1.475.

 

São 16 artigos organizados pela psicanalista e ensaísta Giovanna Bartucci e escritos por autores distintos, como os artistas plásticos Carlos Fajardo e Nuno Ramos e os também psicanalistas Miriam Chnaiderman e Joel Birman, entre outros. “O critério de escolha está associado ao fato de que suas obras carregam a característica fundamental de problematização da realidade, da relação obra/espectador-receptor e do próprio ‘espaço sensório-motor’”, comenta Giovanna. “Todos também trabalham nessa interface entre psicanálise e cultura.”

 

Assim, há desde uma especialista no trabalho da artista plástica Lygia Clark (Suely Rolnik) até profissionais com experiência real na cultura – Miriam Chnaiderman, por exemplo, já dirigiu dois curtas, Dizem que sou louco (1994) e Artesãos da morte (2001). “O artigo dela é sobre a sua experiência, como psicanalista-cineasta, na direção e concepção destes filmes”, conta Giovanna.

 

Como nos demais volumes, esse terceiro livro reúne experiências de sujeitos cujos destinos serão sempre o de um projeto inacabado, produzindo-se de maneira interminável. “A coleção nasceu de uma época produtora de autores pós-freudianos que constituíram teorias sobre a origem da atividade de produção de sentido, de ligação, colocando a questão da constituição do Eu a partir da relação com o Outro em sua essência.”

 

Mão dupla – Um dos objetivos do livro é estabelecer uma via de mão dupla, ou seja, demonstrar como a psicanálise funciona como instrumento crítico da cultura e vice-versa. “Entendo que é no momento mesmo em que o nosso saber é interrogado por uma experiência-outra (e não ao contrário) que a psicanálise se constitui como este ‘lugar’ no qual a alteridade (o outro, o diferente) poderá inscrever-se como tal, produzindo novas concepções/percepções de mundo, concebendo a ‘possibilidade’ de constituição de novas formas de subjetivação, por exemplo.”

 

O assunto é tratado também pela artista plástica Elida Tessler no texto “Tudo é figura ou faz figura”. Segundo ela, “apropriando-se de aspectos da realidade cotidiana, o artista produz obras que perturbam o olhar e propõem uma nova concepção estética de inserção do sujeito em seu contexto social”. Para que isso aconteça, ela alerta sobre a necessidade indispensável de uma liberdade de expressão para o exercício experimental da criação.

 

“Quando o sujeito é tomado pela intensidade e pelo excesso pulsional, só lhe resta realizar um trabalho de ligação, que tem como objetivo constituir destinos possíveis, ordenando circuitos pulsionais e inscrevendo a pulsão no registro da simbolização”, completa Giovanna Bartucci, que, como aconteceu nos outros volumes, buscou selecionar textos que tivessem uma relação, por menor que fosse, entre si. “Meu convite a cada um deles teve como origem o seu próprio trabalho”, comenta a psicanalista, que confessa não conhecer a maioria dos colaboradores – apenas seu trabalho.

 

As discussões, portanto, enveredam por diversos caminhos. Para o psicanalista Joel Birman, por exemplo, a psicanálise não tem a pretensão (muito menos a possibilidade teórica) de enunciar uma estética, estando isso absolutamente fora de seu alcance.

 

“O discurso psicanalítico poderia contribuir, contudo, para a produção de uma teoria da criatividade, ao lado de outros saberes”, escreve ele. “Seria esse o seu lugar nessa empreitada gigantesca, na qual se conjugariam os esforços múltiplos de diversas disciplinas.” Assim, o que estaria em questão seria um projeto interdisciplinar de pesquisa, a fim de explicitar a experiência humana.