A narrativa do mundo

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Bem sucedidos no romance, Bernardo Ajzenberg e Mario Sabino publicam seus primeiros livros de contos

Publicado na revista BRAVO! – Ano 8 – nº 93 – Pág. 80
Junho 2005

Giovanna Bartucci

Autor de cinco romances, Bernardo Ajzenberg publica seu primeiro livro de contos, Homens com Mulheres. Caso semelhante é o de Mario Sabino, que também experimenta o gênero em O Antinarciso depois de fazer sua estréia com O Dia em Que Matei Meu Pai. Ambos bem sucedidos, são exemplos no país do vigor de uma literatura que, se não promove a compreensão imediata do mundo, traduz o “sonho acordado das civilizações”.

Fator indispensável de humanização – porque faz viver –, não há povo ou singularidade que possa privar-se da possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação, já sugerira Antonio Candido. “Tudo o que eu aprendi que vale a pena, do ponto de vista da existência, eu aprendi por meio da literatura”, diz Sabino. “A boa literatura”, acrescenta, “é aquela que causa algum tipo de indagação ou inquietação nas pessoas”.

Reunindo histórias que têm como fio condutor “a solidão de alguém que se vê preso na própria imagem”, O Antinarciso é dividido em três partes: Forma, na qual emula autores como Montaigne e Machado de Assis; Estrutura, voltada para a construção das “relações do eu com o outro”; e Sentido (a falta de), em que aborda o “desencanto profundo” da existência. “A angústia era seu hábitat, nessa paisagem cinzenta conformara-se e a ela se conformara”, nos conta o narrador a respeito de seu personagem, “um paraplégico emocional: que tem impossibilidades bem claras, mas ainda assim merece ser amado”.

Se no caso de Sabino a ficção é o caminho para conhecer o mundo, para Ajzenberg ela é uma forma de autoconhecimento. “A literatura se constituiu em uma forma de eu me encontrar comigo mesmo”, diz. “Acabei estabelecendo com a escrita uma relação lúdica, como a de um artesão. É um prazer brincar com as palavras. A junção dessas duas perspectivas, então, é o que configura, para mim, a coisa literária”.

Não à toa é um homem – ou vários deles transmutados em narradores distintos – que encontra diferentes mulheres na maioria dos 12 contos de Homens com Mulheres. E, ainda que sejam os personagens masculinos que nos conduzam por cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Paris ou Lisboa, serão os conflitos desvelados por meio das relações estabelecidas com as mulheres que organizarão a narrativa. “Quando fora a última vez que ele admitira para a mulher que a amava”?, “Quando chegará o dia em que eu não vou mais me desencontrar das emoções dela e ela das minhas”?, pergunta o narrador.

Como em seus livros anteriores, no entanto, cujas epígrafes condensam as questões em pauta, a citação de Richard Ford nos indicará o caminho percorrido por Ajzenberg: “pensava no que poderia ser aquela coisa extraordinária, aquela coisa que você faz quando não faz amor com uma mulher. Um gesto. Uma palavra. O quê?” Literatura.