A crítica e a causa das desavenças

CRITICA-CUL

Publicado no caderno Mais! – Folha de S.Paulo – Págs. 16-17
09 de fevereiro de 2003

Giovanna Bartucci

Se para alguns críticos o problema da crítica oriunda da universidade é o de preferir o modelo “protegido”, ao resistir a estudar um momento literário em andamento, ou mesmo ao desconsiderar as outras artes e manifestações culturais que não a literatura, para outros esta configuração constitui-se como o seu próprio material de reflexão. Assim o é com Crítica Cult, último livro de Eneida Maria de Souza (Editora UFMG, 176 páginas), coletânea que reúne textos escritos na década de 1990 voltados para a reflexão sobre a crítica literária e a sua vinculação à crítica cultural e à literatura comparada.

Acrescente-se a isto o fato de que, ao se alinhar à corrente crítica cuja abordagem valoriza o discurso literário considerado na sua dimensão histórica e contextual, o conjunto de textos ora publicado termina por nos oferecer também um panorama dos últimos 25 anos da crítica nacional, em exercício. O diálogo crítico que a autora trava com autores como Antonio Candido, Heidrun Olinto, Leyla Perrone-Moisés, Luiz Costa Lima, Roberto Schwarz, Silviano Santiago, entre outros, termina por contemplar também a historicização da criação de programas interdisciplinares de pós-graduação em âmbito nacional, espraiando assim o debate teórico para além do eixo Rio-São Paulo. Nesse diapasão, as reflexões contidas em Crítica Cult iniciam ainda um diálogo com a crítica literária latino-americana, por meio da discussão de conceitos que, ou são comuns ao imaginário teórico do continente, ou se distinguem na sua formulação específica, ao tomarem como base discrepâncias de ordem histórica.

De fato, se artigos anteriores da autora já explicitavam a consideração de que as fronteiras disciplinares não mais se sustentam em termos absolutos e que “a defesa de posições radicais só irá comprovar a dificuldade de se conviver com os lugares indefinidos do próprio saber contemporâneo”, Crítica Cult explicita a sua crença “na necessidade de considerarmos posições teóricas que funcionem como articuladoras das proposições de análise, como elementos dignos de operar o distanciamento crítico”.

Não-lugar discursivo

É nessa medida que Eneida considera que refletir acerca das diferentes posições teóricas que tratam da discussão sobre os estudos culturais, a crítica comparada e a teoria literária é uma das formas de historicizar as questões em jogo e tentar entender a causa das desavenças.

Com efeito, se hoje o discurso crítico se nutre dos meios de comunicação de massa, a autora considera que a elitização cultural não se sustenta diante do apelo democrático dos discursos, razão pela qual a literatura deixa de se impor como texto autônomo e independente. No entanto, em posição contrária aos que consideram a literatura a grande ausente do debate crítico contemporâneo, Eneida entende que à literatura está reservado um “não-lugar discursivo”, que ela interpreta, afinal, como “mobilidade capaz de promover a abertura da rede interdisciplinar”. Valendo-me de suas próprias palavras: “Imagem em movimento na qual a rede metafórica é produtora de redes conceituais”.