Cineasta prioriza relações de submissão ilimitada ao outro

Polanski

Publicado no caderno Ilustrada – Folha de S.Paulo – Pág. 5
18 de agosto de 2013

Giovanna Bartucci

“De projeto a projeto, existem diferentes razões para eu escolher um deles. Mas fico feliz quando encontro um assunto que me estimula. Isto me dá uma justificativa para realizar um filme,” disse Roman Polanski, em entrevista.

Seu filme mais recente, uma adaptação da peça de David Ives, baseada no livro A Vênus das peles (1870) de Leopold von Sacher-Masoch (1836-1895), revisita um tema que há muito tem atraído o cineasta.

Entre dramas, tragicomédias e thrillers psicológicos (os clássicos Repulsa ao sexo, de 1965, e O bebê de Rosemary, de 1968 ), o fato é que os filmes de Polanski – com um niilismo como pano defundo – primam por colocar em primeiro plano relações (e comportamentos) de submissão ilimitada ao outro.

O psiquiatra Richard von Krafft-Ebing (1840-1902) cunhou o termo “masoquismo” para designar um tipo de comportamento sexual por meio do qual um sujeito obtém prazer através da dor, de sofrimentos e de humilhações físicas e morais.

Ele atribuiu à literatura de Sacher-Masoch a renovação de uma entidade clínica definida menos pelo laço dor-prazer sexual do que pelo comportamento mais profundo de “escravatura e de humilhação”.

Em Lua de fel (1992), a abordagem de Polanski sobre o tema é explícita. Nigel (Hugh Grant) e Fiona (Kristin Scott Thomas) conhecem a voluptuosa Mimi (Emmanuelle Seigner) e seu marido Oscar (Peter Coyote), que decide narrar-lhes a história de sua paixão marcada por “sexo sem fronteiras” e sadismo.

O tema é retomado em Deus da Carnificina (2011). Nele, a cordialidade de dois casais, reunidos para selar a paz entre os filhos em guerra, termina por se transformar em um jogo de poder e humilhação mediado pela “fala”.

A função imperativa e descritiva da linguagem é ultrapassada em direção a uma espécie de “não linguagem”, a um erotismo do qual não se fala, ou, mesmo, da própria “violência que não fala”.

Polanski parece ter ido além em A Vênus das peles (2013). Colocou em cena um “herói masoquista” – ou uma heroína, não esqueçamos – que aparenta ser educado e formado pela mulher autoritária. Mas, na realidade, é ele próprio que a forma e a disfarça e lhe dirige. Assim, a construção remete ao filósofo Gilles Deleuze, que tratou em 2009 da “vítima que fala através do carrasco, sem comedimento”.