Eu existo e existe vida em mim

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Produzido em 2011 – inédito

Giovanna Bartucci

Antes que Dom Quixote de La Mancha e seu fiel escudeiro, Sancho Pança, dessem início a sua jornada acreditando-se capazes de transformar o mundo de modo a torná-lo mais justo, um dos personagens mais célebres da literatura ocidental foi um fidalgo decadente. Considerado o primeiro romance moderno, O Engenhoso Fidalgo D.Quixote de La Mancha (1605), do espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), narra a história de Alonso Quijano que, tendo se embranhado durante 50 anos em vasta leitura, passa a descuidar da propriedade, bens e caça, ao mesmo tempo que constrói para si uma nova existência. Valendo-se das inúmeras histórias de cavalheiros andantes que lê, Quijano transforma-se em Dom Quixote. A sua luta contra moinhos de vento que imagina serem gigantes, ou o seu amor por uma aldeã, que pensa ser a dama Dulcinéia del Toboso, contudo, não terão sido em vão.

O Esquizoide – Coração na Boca (Record, 2011), romance do poeta, pintor e músico Rodrigo de Souza Leão (1965-2009), aqui está para comprová-lo. Narrado em primeira pessoa, seu protagonista, o jornalista e escritor Rodrigo, é esquizofrênico e dedica-se a redigir um livro (O Esquizoide) por meio do qual conta a história da eclosão de sua doença, de suas internações e das suas relações com familiares, amigos, amores e trabalho. Escreve “em busca de justiça”. E afirma: “não sei muito se sou esquizofrênico, mas carrego em mim uma bomba que pode explodir a qualquer momento, provocando a minha morte”.

De modo que serão a escrita circular, o exercício da indistinção entre realidade e ficção, o “jogo de espelhos” por meio do qual o eu é um outro, e o outro um eu – ora observando-se a si mesmo, ora a seu duplo – que possibilitarão um movimento constitutivo cuja instauração permitirá o apropriar-se de si continuamente. Pois, romance, novela ou autobiografia ficcional – a esquizofrenia transformada aqui em “recurso de linguagem” –, nessa luta quixotesca, há, é verdade, “um desespero na loucura que (…) parece incontornável e (que) talvez seja como dizer ‘eu ainda existo e existe vida em mim’”. Rodrigo de Souza Leão falece em uma clínica psiquiátrica, em julho de 2009, vítima de um ataque cardíaco.