Mercado “descobre” o homem vaidoso

Filão dos heterossexuais metropolitanos pode chegar a 15% dos homens entre 25 e 45 anos das grandes cidades

Publicado no caderno Mundo – Folha de S.Paulo – Pág. A 24
20 de julho de 2003

Por Sérgio Dávila – Jornalista

A cada ciclo econômico, as agências de pesquisa municiam as agências de publicidade, que convencem os anunciantes de que um novo perfil de consumidor apareceu. Foram os yuppies, nos 80. No auge da exuberância irracional norte-americana, eram os BoBos, os burgueses boêmios. Agora, são os metrossexuais.

Metrossexual, ou “metrosexual” no original inglês, contração de heterossexual com metropolitano. Essa a sua definição: um empreendedor bem-sucedido, entre 25 e 45 anos, que vive nas grandes cidades e se preocupa com seu aspecto visual, se dedica a essa preocupação e gasta com ela, como fazem seus colegas gays do mesmo extrato social.

Com uma diferença fundamental: o metrossexual é macho.

Ou, como disse à Folha Marian Salzman, diretora executiva de estratégia da Euro RSCG em Londres e coordenadora do estudo “O Futuro dos Homens”, que popularizou o termo na mídia e ganhou as páginas do The New York Times: “Cada vez mais homens comuns estão começando a apresentar qualidades metrossexuais mesmo sem saber”.

O termo foi usado pela primeira vez em 1994 pelo escritor gay Mark Simpson, no artigo “Lá vêm os homens do espelho”, publicado pelo jornal britânico The Independent. Passou anos na gaveta para ganhar força total nos últimos meses, muito por conta do estudo da Euro RSCG e do rebuliço que ele causou no mercado de produtos voltados à vaidade masculina ao declarar que a tribo pode unir até 15% dos homens desta faixa etária nas grandes cidades.

Os metrossexuais leem DetailsGQVanity Fair, revistas que dividem suas capas em igual número entre homens bonitos e mulheres bonitas, usam roupas de grife, discutem as novidades da linha masculina da Clinique e são capazes de fazer um ranking com os cinco melhores day spas de qualquer capital europeia em questão de segundos. Segundo a pesquisa, que ouviu 519 britânicos e o mesmo número de norte-americanos, 49% deles acham perfeitamente normal um homem fazer limpeza de pele e manicure e 39% aprovam a cirurgia plástica masculina.

O representante supremo é o jogador de futebol britânico David Beckham, do Real Madrid, que pinta as unhas, muda o corte e a cor do cabelo como quem troca de camisa no final do jogo, gasta milhares de libras com produtos de beleza e confessou já ter usado algumas vezes as calcinhas da mulher, a ex-Spice Girl Victoria.

Seu equivalente norte-americano é o ator Brad Pitt, casado com a também atriz Jenniffer Aniston, que planeja por semanas a posição exata de cada fio de seu cabelo “despenteado” e é um dos maiores salários do cinema. “Hollywood, aliás, é um celeiro de metrossexuais”, disse Salzman.

O mercado começa a se movimentar. A Condé Nast, a mesma da VogueNew Yorker, planeja soltar nas bancas dos EUA uma revista de compras só para homens. O canal de TV paga Bravo vem exibindo há duas semanas o reality show Queer Eye for the Straight Guy (um olhar gay para os caras héteros), em que gays ajudam heterossexuais desleixados a virar metrossexuais.

E o território latino-americano, Brasil e México à frente, é o próximo passo. “Queremos explorar o fenômeno com a perspectiva latina”, disse Marion Salzman. “É surpreendente perceber o quanto do que é considerado traço típico do amante latino, como as boas maneiras e o galanteio às mulheres, na verdade é metrossexual”.

Brasil também tem metrossexual

Alvaro Garnero recebe a Folha em sua casa no Morumbi, em São Paulo, depois de ter malhado por uma hora e meia em sua academia particular. O empresário de 34 anos veste blusa de cashmere, calça bege e sapatos marrons italianos, sendo Dolce & Gabbana o que não é Giorgio Armani.

Durante a entrevista, que só interrompe para remarcar sua manicure para o fim da tarde e brincar com o filho, Alvarinho, que teve com uma ex-modelo norte-americana, vai revelar que gasta entre R$ 2 mil e R$ 3 mil por mês em roupa e metade disso em cosméticos e cremes de beleza.

Alvaro Garnero é um típico metrossexual brasileiro, talvez o principal exemplar deles.

“Se ser metrossexual significa um sujeito que se preocupa com o visual na medida certa, então eu sou”, diz ele, que fez doutorado em finanças e negócios internacionais na Universidade de San Diego (EUA) e cuida da área internacional e de novos produtos da Brasilinvest, do pai.

O dia do empresário, que conheceu a atual namorada na Daslu, a meca dos metrossexuais, e conta em sua casa com três closets, 200 gravatas, 50 ternos e 18 m² de espelho só no quarto, envolve cremes hidratantes Estée Lauder, gel para cabelo Paul Mitchell e xampus Kérastase.

Garnero não está sozinho. Se nomes mais frequentes na mídia como os empresários Júlio Lopes e Alexandre Acciolly, o publicitário Roberto Justus e o jogador Alex Alves, do Atlético Mineiro, são exemplos óbvios, é a turma mais discreta e numerosa que compõe o mercado local.

Neste nicho se encaixa Sérgio Waib, 31, diretor comercial da Jovem Pan FM e casado com a caçula do empresário Antônio Ermírio de Moraes. “Estar bem arrumado, vestindo grife, andar sempre bem barbeado é vaidade, mas também uma necessidade em minha profissão”, diz ele, que só veste camisas feitas sob encomenda por um alfaiate particular que vai frequentemente a seu escritório.

Nem todos concordam que o novo termo seja novo e seja termo. “Isso é uma bobagem sem fim”, disse a publicitária Rose Saldiva, dona da Saldiva & Associados e autora de importantes pesquisas de comportamento, como a que concluiu que mais de 90% dos brasileiros acreditava em anjos. “Além disso, é velho. Fiz esse levantamento em 1988, chamava-se ‘Narciso Século 21’.”

“Opinião diferente, mas igualmente crítica, tem o publicitário Rodrigo Leão, diretor de criação da W/Brasil, para quem “Madonna já foi tão Beckham quanto Beckham, assim como Caetano Veloso”. “Pesquisa é um farol que aponta pra trás”, disse ele. “Essa, por exemplo, detecta comportamentos que já existem há tempo.”

Tudo seria então o bom e velho narcisismo com outro nome? “Eu não estigmatizaria o sujeito”, diz Giovanna Bartucci, psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. “A pesquisa aponta para um homem que, lançando mão de diferentes formas de produção de sua subjetividade, habita afinal um mundo interiorizado.” (SD)