A imagem fiel de Alice

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Edição comentada e ilustrada reúne Aventuras de Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho

Publicado na Revista BRAVO! – Ano 5 – n° 53 – Pág. 112
Fevereiro de 2002

Giovanna Bartucci

Segundo conta a história, foi durante uma excursão ao longo do rio Tâmisa, numa tarde de 04 de julho de 1862 – na “hora em que o sol vai baixando e as sombras se alongam” –, que as narrativas que mais tarde viriam a ser conhecidas como “as aventuras de Alice” começaram a ganhar corpo. Teria sido, sim, a pedido de Alice Liddell, filha do deão do Christ Church, que o matemático de Oxford e escritor de livros para crianças Lewis Carroll (1832-1898) – pseudônimo do diácono Charles Lutwidge Dodgson decidiu escrever a mão e ilustrar com seus “próprios desenhos toscos” as brincadeiras com as quais animara aquela tarde de verão. Alice Edição Comentada (Jorge Zahar, 2001, 328 págs.) traz agora em edição definitiva não só os livros Aventuras de Alice no País das Maravilhas (1865) e Através do Espelho (1872), como também o episódio inédito “O Marimbondo de Peruca”, suprimido deste último.

Obras que têm no realismo fantástico seu fundamento, contam a história da menina que vive encontros inusitados com animais personificados, objetos com forma humana e seres fabulosos, dando origem – num espaço onírico no qual se conjugam a linguagem dos contos de fadas e jogos lógico-semânticos – a diálogos e situações caracterizadas pelo nonsense.

À edição brasileira somam-se ainda às ilustrações originais de John Tenniel – que colaborou com a revista satírica Punch, entre 1850 e 1901 – e as notas e a introdução de Martin Gardner, considerado um dos maiores especialistas em Carroll. Seus “pequeninos ensaios” – embora às vezes extensos e abrangentes por demais, prejudicando a leitura da obra de Carroll – terminam por historicizar e contextualizar autor e escritura, cujas questões de lógica, física e filosofia envolvidas continuam a exercer fascínio sobre crianças, jovens e adultos. Quanto a “advertência” de Gardner para que evitemos interpretações psicanalíticas desnecessárias frente a uma obra prenhe de simbolismo como a de Carroll, é importante observarmos que o testemunho do desejo em obra dá-se, fundamentalmente, a partir da fala engendrada no cerne da experiência psicanalítica, junto a um outro que escute, que se cale, que interprete. Isso para que a indagação de Alice (e de todo sujeito) – “Mas, se não sou a mesma, a próxima pergunta é: ‘Afinal de contas quem sou eu?’ Ah, este é o grande enigma!” – possa, afinal, fazer jus às suas aventuras no país das maravilhas.