O humor que permeia a condição humana

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Homens, composto por sátiras e fábula de Marilia Pacheco Fiorillo, é reeditado pela Arx.

Publicado no caderno Cultura – O Estado de São Paulo – Pág D4
25 de abril de 2004

Giovanna Bartucci

Repleto de humor e ironia, Homens, primeiro livro de ficção da jornalista e escritora Marilia Pacheco Fiorillo, lançado em 1994 e reeditado pela Arx (120 págs.), permanence tão atual quanto à época de seu lançamento. Seguindo-se à obra A caminho do paraíso (Arx, 180 págs.), seu segundo livro de ficção lançado no segundo semester de 2003, e que poderíamos sintetizar como um olhar tragicômico sobre as angústias contemporâneas mais profundas, Homens, de fato, não fica atrás.

Composto de duas sátiras e uma fábula, o foco da autora é a condição humana contemporânea. É verdade, se o humor expressa uma disposição de espírito, o humor não é resignado mas rebelde. Se a sua essência é a de poupar os afetos aos quais uma determinada situação daria origem – afastando a possibilidade de expressão das emoções –, o que o humor termina por fazer, nesse caso, é trazer à tona a vulnerabilidade dos sujeitos.

E, com efeito, não há quem não reconheça nas dúvidas da aluna que conquista o professor de karatê – “Será que a cor que eu mandei pintar o ateliê está na moda?”, “E se os tecidos dos tatamis não combinarem?”, “Será que ele vai sair outra vez comigo”?, ou mesmo, “Será que estou apaixonada?” –, em “Enfim, Um Homem”, primeira sátira do volume, as angústias veladas dos sujeitos contemporâneos.

Entre aulas de caratê, ioga, zen-budismo, terapia das cores, radiônica, e uma visita rápida à vidente de quem falaram muitíssimo bem na semana anterior, os personagens tragicômicos que a autora também aqui nos apresenta, menos do que expressar um interesse real por quaisquer dessas atividades, buscam preencher o vazio que lhes atinge tão diretamente.

Assim, se “Enfim, Um Homem” explicita o fato de que “ela” – ou mesmo “ele” – nunca sabiam, por exemplo, quem era o sujeito das frases “Gostar muito?”, “Treinar todo dia?”, ou mesmo se, no caso, essas eram perguntas a ela dirigidas, o segundo conto do volume, “A Importância de Ser Prudente” – que trata de um relacionamento amoroso rapidamente iniciado e terminado – traz à tona o fato de que, na atualidade, grande número de nós ouve exclusivamente o que lhe interessa – “ouvindo, em 100% dos casos, só a própria voz”. Pareceria que “o prazer da degustação jamais provinha do que o outro nos oferecesse – um raciocínio, uma analogia, expressões em latim – mas, invariavelmente, do que nós próprios estávamos a ruminar. O sabor era mais natural: estava em nossas laringes, não nos ouvidos”.

Mas o fato é que, aparentemente independentes, as duas sátiras iniciais vestem perguntas fundamentais cujas respostas – ou uma versão das mesmas – parecem ser desveladas em “As Três Princesas de Serendib”, fábula que narra o duelo entre uma magnífica princesa e um horrendo monstro pegajoso, ao mesmo tempo que, do outro lado do deserto, outra belíssima mulher anda às voltas com um galã que se transformou em asno.

De fato, é nessa narração alegórica, “num tempo em que as palavras descreviam com exatidão cada coisa”, que vislumbraremos possibilidades: “O segredo das princesas era tão simples quanto o da flor: Corpo, Alma e Nome eram inseparáveis”. É verdade, “nomes próprios, (…) estes são feitos de uma substância que não pode ser adulterada. (…) A coincidência entre nome, alma e corpo só diz respeito ao Criador e a sua criatura, e não às imagens que os outros dela têm”. Mas, reconheçamos, é frequente nos “enganarmos”, e – infelizmente – raro sermos capazes de identificar “na primeira linha, a palavra serendipity, nascida em Serendib – o dom de encontrar tesouros maravilhosos no lugar mais inesperado, exatamente onde nunca se buscou, bem perto”.