Diálogos sobre um ritual de passagem

Alain Touraine

Alain Touraine

Alain Touraine fala sobre a busca pelo homem do século 21

Publicado no caderno Cultura – O Estado de São Paulo – Pág. D5
26 de Dezembro de 2004

Giovanna Bartucci

Com a chegada do século 21, o mercado de livros parece ter encontrado um novo nicho editorial. A década de noventa produziu diversos títulos com uma característica em comum: o diálogo entre intelectuais que têm como objetivo refletir sobre a passagem do século 20 para o 21, no momento em que esta se dá. Dentre os títulos traduzidos, encontramos O Novo Século. Entrevista a Antonío Políto (Compainha das Letras), que reproduz o diálogo entre o historiador Eric Hobsbawm e o jornalista Antonío Políto, e também De que amanhã… Diálogo (Jorge Zahar), que reproduz a troca de ideias entre a historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco e o filósofo Jacques Derrida, morto recentemente.

Agora, é a vez dos sociólogos Alain Touraine e Farhad Khosrokhavar – ambos pertencentes ao Centre d’analyse et d’Intervention Sociologiques (CADIS) da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris – se submeterem à experiência. E nós temos que reconhecer, tal proposta editorial termina por alcançar mais do que o sugerido. O lançamento de A Busca de si: Diálogo sobre o Sujeito, de Touraine e Khosrokhavar, é prova disto.

Ao aceitar a proposta do colega Khosrokhavar de interrogá-lo acerca de suas ideias, seu trabalho e sua vida pessoal, Touraine dá início – como ele mesmo atesta – a um processo de reflexão e de elaboração sobre o que designou como o seu “projeto intelectual”. Nas palavras do autor, “esse livro (…) é a busca de mim mesmo como autor, como criador de um pensamento em constante esforço para analisar os fatos observáveis, mas que procura, além disso, unir uma história de vida particular à observação da vida pública, tomando partido com a maior frequência e clareza possíveis”.

Não é à toa, então, que vemos desdobrar-se sob nossos olhos o seu principal projeto, o da substituição de uma sociologia do sistema social por uma sociologia do autor. Em lugar de “explicar as condutas em função do lugar e dos interesses dos atores no sistema”, Touraine termina por avaliá-los como “atos de criação ou de destruição da capacidade autônoma dos atores”. Tendo definido a “ação” não como determinada por marcas e formas de autoridade, mas por meio de uma relação à produção do ator por si mesmo, o sociólogo torna este ponto de vista cada vez mais explícito. Primeiro, “estudando um conjunto de movimentos sociais contemporâneos centrados sobre os problemas da cultura e da personalidade mais do que sobre interesses econômicos; em seguida, examinando de maneira crítica noções como modernidade, democracia, comunicação entre culturas e indivíduos”.

Assim, este livro mistura reflexão e experiência, ao mostrar o “indivíduo-autor” Touraine tentando fazer uma aproximação, em si, entre o pensado e o vivido. O que vemos, então, é este “indivíduo autor” esforçando-se “para combinar participação na razão instrumental com apelo às orientações culturais, pessoais ou coletivas, a uma língua e uma memória sempre inseparáveis de uma comunidade” – e, ao fazê-lo, tornar-se um “sujeito”.

De fato, se Khosrokhavar identifica, no pensamento de Touraine, um sujeito mais “dessocializado” e mais pessoal emergindo em lugar de antigos movimentos sociais, isto se deve ao fato de que Touraine não fala mais em sociedade, “mas em opinões e espaços públicos, em direito e ensino, em família e conflitos. De acordo com Touraine, “somente agora o ‘social’ deixa de ser um apêndice do ‘econômico’ ou uma criação do ‘político’”. Isto, por vezes, “chega a constranger os sociólogos; eles hesitam em abandonar aos economistas seus antigos terrenos e a se instalar em novos espaços em que, porém, abundam as condutas a serem compreendidas”.

O que torna, então, estes projetos editoriais extremamente fecundos é que temos a possibilidade de acompanhar seus autores nesta passagem ao desconhecido. E ao acompanharmos suas reflexões sobre os seus próprios projetos intelectuais, o que vemos – frequentemente à nossa revelia – é um tempo que se vai, ao constatarmos um tempo outro que se instala. Com efeito, não é à toa que tais leituras são sempre, para cada um de nós, um eterno curvar-se para trás no tempo e um permanente vir-a-ser.