Improviso narrativo

Impressão

Publicado no Caderno 2 – O Estado de S. Paulo
13 de agosto de 2012 – p. D5

Giovanna Bartucci

Uma das mensagens essenciais da literatura consiste em dizer que nada caberia definitivamente na palavra e que, assim sendo, seria imprescindível voltar a dizer. A linguagem cinematográfica, ao contrário, pretenderia aparentemente tudo dizer por meio da imagem, daquele instante.

Com efeito, esta talvez seja uma das importantes temáticas no que se refere a literatura brasileira contemporânea produzida por jovens escritores como a gaúcha Luisa Geisler, de 21 anos: a proximidade da escrita literária com a linguagem do roteiro cinematográfico.

Quiçá (Record, 2012), seu romance de estréia, vencedor do prêmio Sesc de Literatura 2011, evidencia esse acercamento por intermédio de uma narrativa que lança mão da lembrança, constituída como uma somatória de imagens que se seguem umas às outras – e que em nada se parece à memória proustiana –, para contar da aproximação e convivência, pelo período de um ano, de dois primos que até então pouco se conheciam. A “cena de abertura” da composição, a viagem de retorno de Arthur à cidade de origem com os tios para um almoço de Natal em que o restante da família estará reunida, imediatamente induz e solicita o leitor a acompanhar a vida do rapaz que tentou suicídio – que, devagar, encontra um lugar no mundo cotidiano de Clarissa, a prima de onze anos, filha única autossuficiente e responsável.

Será, contudo, o paradoxo que se instala no encontro entre a necessidade do “ainda dizer” literário e do “tudo está dito” imagético – e que resulta na experiência de suspensão pelo leitor – que promove o reconhecimento da hipocrisia e do esvaziamento das relações familiares e sociais aos quais os personagens estão submetidos. E a linguagem coloquial contemporânea da classe média urbana torna-se o instrumento que permite à autora instaurar a velocidade e agilidade necessárias ao fluxo de imagens que termina por se constituir no próprio fio condutor da trama. Caberá, então, ao leitor-espectador devolver aos primos – relação familiar que possuirá outro significado ao final do romance – o “olhar amoroso” tanto desejado por ambos.

Por outro lado, se as repetições de parágrafos ou de “apostos” – como, por exemplo, no caso da palavra “televisão” que vem acompanhada de “(Full HD, conexão à internet, com 3D, 52 polegadas)” –, ou mesmo dos (aparentemente) desnecessários “ele disse”, “ela disse”, após a fala dos personagens, denotam  o que hoje identificamos como “imaturidade formal”, em Quiçá, terminam por conduzir o olhar do leitor-platéia para e na cena.

É possível dizer que Contos de Mentira (Record, 2011), livro de estréia de Luisa, vencedor do prêmio Sesc de Literatura 2010 na categoria “conto”, já indicava os percursos formais e de conteúdo escolhidos pela autora para o romance. Suas histórias – poderíamos chamá-las de esquetes? – delineam pequenos momentos das vidas de personagens atropelados por um mundo despido do “significado inevitável”. Sem início, meio ou fim, as narrativas se furtam a colocar diante do leitor uma direção, um propósito, um sentido. Ou seja, ensaia-se, para o leitor, um improviso.